Comentários Eleison – por Dom Williamson
Número DXLV (545) (23 de
dezembro de 2017)
NARRATIVA DE NATAL
O modo como Deus desceu aos homens faz com que nos maravilhemos.
Elevai-nos ao Céu, ó Deus, para que seus louvores entoemos!
O seguinte momento
culminante de uma narrativa decerto apropriada para a época de Natal é colocado
na boca da Mãe de Deus quando ela entra novamente na gruta sagrada em Belém
para descrever aos amigos que a acompanham o nascimento humano de Deus, no
lugar mesmo onde aconteceu. A pessoa que escreve é corajosa, e procura
descrever a cena como sendo narrada pela Mãe. Nem todos os leitores destes
"Comentários" concordarão que essa tentativa tenha sido bem sucedida.
Não importa. Outros leitores poderão deleitar-se com a cena, que realmente
aconteceu, e deve ter acontecido de maneira parecida; e para esses leitores
apresentamo-la aqui:
"Maria põe-se
de pé novamente e entra na gruta: "Tudo está como estava então... Só que
na ocasião era noite... José acendeu uma luz quando entrei. Então, e só então ao
descer do burro percebi o quão cansada e com frio estava. Um boi recebeu-nos.
Eu aproximei-me dele para sentir um pouco de calor, para descansar sobre o
feno... onde estou agora, José estendeu o feno para fazer-me uma cama, e ele a
secou para nós dois, Jesus e eu, na pequena fogueira feita naquele canto...
porque meu esposo angélico tinha por nós o amor de um verdadeiro pai... e ele e
eu, segurando-nos um ao outro pelas mãos, como dois irmãos perdidos no escuro
da noite, comemos nosso pão e queijo, e então ele foi lá alimentar o fogo,
tirando antes seu manto para bloquear a entrada da caverna... Na verdade ele
estava velando pela glória de Deus que estava por descer do Céu. Com Jesus, permaneci
no feno entre o calor de dois animais, envolta no meu manto e com a manta de lã.
Meu amado esposo!... Naquele momento de ânsia para mim, em que enfrentava só o
mistério de dar à luz pela primeira vez, algo sempre uma vez desconhecido para
qualquer mulher, mas ampliado para mim em razão da singularidade da minha
maternidade, e ainda mais pela perspectiva de ver o Filho de Deus emergir da
carne mortal, ele, José, foi como uma mãe para mim, como um anjo... meu consolo...
ali e sempre...
"E então
o silêncio e o sono vieram envolver o Homem Justo... para que ele não visse o
que era para mim o abraço diário de Deus... E começaram para mim as ondas
ilimitadas de êxtase, rolando de um mar paradisíaco, elevando-me novamente às
cristas luminosas, cada vez mais alto, levando-me com elas para cima, mais ainda,
num oceano de luz, de mais luz, paz e amor, até encontrar-me perdida no mar de
Deus, do seio de Deus... Ouvi ainda uma voz vinda da terra; "Estás
dormindo, Maria?" Oh, quão longe! ... Um eco simples, chamando da terra!...
tão fraco que quase não toca a alma. Eu não tenho ideia de qual resposta eu lhe
dou enquanto subo, e ainda estou subindo nessa imensidade de fogo, de beatitude
infinita, da presciência de Deus... até Deus, o próprio Deus... Oh, foi Jesus que
nasceu de mim, ou fui eu que nasci dos esplendores da Santíssima Trindade
naquela noite? Eu que dei à luz Jesus, ou foi Jesus que me aspirou para a luz?
Eu não faço ideia...
"E então
a descida, de Coro de anjos em Coro de anjos, de camada de astros em camada de astros;
uma descida tão suave e lenta, bem-aventurada e pacífica, como a de uma flor
sendo carregada no alto por uma águia que depois a deixa cair, descendo
lentamente nas asas do ar, embelezada por uma gema de chuva, por um fragmento
de arco-íris arrebatado do céu, e que aterrissa em seu solo nativo... E minha
coroa de joias: Jesus, Jesus sobre meu coração...
"Sentada
aqui, depois de adorá-Lo de joelhos, eu O amava. Por fim, pude amá-Lo sem as
barreiras da carne entre nós, e daqui eu me levantei para levar-lhe ao amor do
Justo, que merecia como eu estar entre os primeiros a amá-Lo. E aqui, entre
estes dois pilares rústicos, ofereci-O ao Pai. E aqui Ele descansou pela primeira
vez sobre o coração de José... Eu balancei-O enquanto José secava o feno ao
fogo e mantinha-o quente para colocá-lo no berço do bebê; e depois, ali, adoramo-Lo,
curvados diante d’Ele, assim como me curvo agora, bebendo Sua respiração, contemplando
até que ponto o amor de Deus pode descer para amar os homens, chorando as
lágrimas que são certamente choradas no Céu pelo gozo inesgotável de ver a Deus
".
Kyrie eleison.