Comentários
Eleison – por Dom Williamson
CCCV - (305) 18 de maio de 2013
DANAÇÃO ETERNA? – I
Um leitor trouxe à tona mais uma vez um clássico
problema que tem sido levantado algumas vezes, diretamente ou indiretamente,
nesses “Comentários”. Por se tratar de algo tão sério, merece ser tratado mais
uma vez, com destaque. Ele escreve: “Eu acho difícil ser o Católico que eu
quero ser por causa da doutrina da danação eterna. Eu não consigo aceitar a
ideia de que a alma possa ser atormentada incessantemente por toda a
eternidade. É simplesmente muito horrível. Tem que haver alguma doutrina
católica que não seja tão rígida.” Em resumo: como pode uma alma ser justamente
condenada a uma eternidade de terrível tormento?
Notem que um grande santo como São Domingos passou uma
noite agonizando em oração sobre essa questão em uma caverna em Segóvia, na
Espanha, que ainda hoje pode ser visitada. Mas deixem-nos estabelecer
imediatamente que essa não pode ser uma questão que leve a pôr Deus
Todo-Poderoso no banco dos réus, como se Ele merecesse ser condenado ou precisasse
de absolvição. Se a Sua Igreja ensina, como o faz, que um pecado mortal pode
condenar uma alma ao fogo eterno do inferno, e se eu discordar, então sou eu
que estou errado, e não a Sua Igreja. Por que eu estou errado?
Por uma ou ambas destas duas razões que se conectam
entre si: ou eu não entendo a grandeza e a bondade de Deus, o que é fácil de
acontecer, porque a minha pequena mente é finita e Deus é infinito; ou eu não
entendo a gravidade do pecado, o que também é fácil de acontecer porque o
pecado ofende a Deus em primeiro lugar, apenas secundariamente a mim e, só em
terceiro lugar, ao meu próximo. Então, se eu não consigo entender a grandeza do
Deus ofendido pelo pecado, eu naturalmente não entenderei a gravidade do
pecado.
A questão passa a ser então: o grande e bom Deus deu a
cada ser humano, durante a sua curta vida na Terra, meios suficientes de saber
que Ele existe, que Ele pode ficar ofendido, o que basicamente O ofende e quão
sério é ofendê-lO? A resposta só pode
ser afirmativa em todos os quatro casos.
* Eu não preciso da fé sobrenatural para saber que
Deus existe. A reta razão somente diz que por trás de todas as coisas boas na
vida do homem existe um Ser Sumamente Bom. A razão distorcida para fora da
verdade por causa do orgulho ou obscurecida pelo pecado, pode não falar deste
Ser, mas quaisquer distorções e obscurecimentos se dão por minha culpa, não de
Deus, e merecem uma punição proporcional a todos os bens que eu tenho
experimentado nessa vida e que eu não tenha, de modo “indesculpável” para mim
(Rom. I, 20), atribuído a Deus.
*A realidade do livre-arbítrio é uma experiência
diária, e cada um de nós tem a luz natural da consciência para nos dizer que
devemos louvar ao Ser Supremo, e que recusar esse louvor é ofendê-lO. Tal é o
Primeiro Mandamento, e não é necessário fé para que seja conhecido.
*A consciência natural também me diz sobre os outros
Nove Mandamentos, que simplesmente detalham a lei natural, e isso também me diz que infringi-los ofende não
somente ao meu próximo, mas também, e até mesmo primariamente, ao Ser Supremo.
*E por último, quanto mais limpa é minha consciência,
mais claramente ela me diz o quão seriamente eu O ofendi. O problema é que nós
todos somos pecadores, e qualquer pecado ajuda a obscurecer a nossa
consciência. Mas o nosso pecado se dá por nossa culpa, não de Deus, e Ele é
totalmente justo ao nos punir pelo quanto obscurecemos nossas mentes.
Tudo bem - alguém pode objetar -, então a todos os
homens é dado nessa vida conhecer o bastante de Deus para merecer a punição
após a vida em proporção ao quanto eles O ofenderam. Mas como pode qualquer
homem ofendê-lO tão seriamente a ponto de que uma punição eterna e inimaginável
seja justa? Nos “Comentários” da próxima semana iremos tentar sondar um
mistério que é tão profundo quanto Deus é profundo.
Kyrie eleison.