sábado, fevereiro 22, 2014

Comentários Eleison: Humanização Fatal

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCXLV (345) - (22 de fevereiro de 2014): 

Humanização Fatal


            Alguns católicos que sustentam que a Sé Apostólica está vacante protestam veementemente contra os números recentes destes “Comentários”, que parecem pôr a heresia universal do liberalismo em pé de igualdade com a opinião particular do sedevacantismo. Mas enquanto estes “Comentários” constantemente acusam a praga do liberalismo, eles seguramente não têm feito ultimamente mais do que argumentar que ninguém é obrigado a aderir ao sedevacantismo, que – mesmo levando-se em consideração o tipo armadilha esterilizante que este prova ser em alguns casos – é certamente uma posição muito moderada por se tomar.

            Contudo, os “Comentários” sustentam que o sedevacantismo, enquanto admirável como um esforço para combater o liberalismo, é, na melhor das hipóteses, um meio inadequado para fazê-lo, pois ele compartilha com os liberais um de seus erros básicos, a saber, a exageração da infalibilidade papal. Em seu cerne, esse erro nos leva ao coração da atual e sem precedente crise da Igreja, e eis a razão pela qual os “Comentários” insistirão na questão, enquanto pedem o perdão de alguns leitores indevidamente aborrecidos ou ofendidos. A Igreja inteira está em jogo, e não somente as sensibilidades desses ou daqueles de seus membros.

            O cerne desse erro consiste na humanidade virando as costas de modo lento e constante, pelos últimos 700 anos, a Deus, Seu Filho e Sua Igreja. No auge da Idade Média, os católicos, apegada à unicidade e à exclusividade do Deus objetivo e Sua Verdade não contraditória, tinham uma fé clara e forte. Dante não teve problema em colocar Papas no Inferno. Mas como no decorrer dos séculos o homem se pôs mais e mais no centro das coisas, Deus perdeu Sua transcendência absoluta sobre todas as criaturas, e a verdade se tornou mais e mais relativa, não para a autoridade de Deus, mas para a do homem.

            Dentro da Igreja, tomem por exemplo a 13º das 17 “Regras Para Sentir Com a Igreja” do famoso livro de Santo Inácio de Loyola, Os Exercícios Espirituais, elogiado por inúmeros Papas desde então e, sem dúvida, responsável por ajudar a salvar milhões de almas. Santo Inácio escreve: “Para em tudo chegarmos à verdade, devemos sempre sustentar o princípio de que o branco que eu vejo é preto se a Hierarquia da Igreja assim decidir”. Tal posição poderia apoiar a autoridade dos homens da Igreja a curto prazo, mas não oferece um sério risco de separá-la da verdade a longo prazo?

De fato, no fim do século XIX o liberalismo tanto se fortaleceu que a Igreja teve que apoiar sua própria autoridade por meio da Definição de 1870 de seu Magistério, operando a pleno vapor, ou seja, sempre que 1) um Papa 2) define 3) um ponto de Fé ou de moral 4) de modo a obrigar toda a Igreja. Mas pensando muito humanamente desde então, muitos católicos, ao invés de relacionarem esse Magistério Extraordinário a Deus e à Verdade imutável do Magistério Ordinário da Igreja, tendem a prestar à pessoa humana do Papa uma infalibilidade que provém apenas de Deus e só pertence a Ele. Esse processo humanizante gerou uma infalibilidade cada vez mais exagerada que quase inevitavelmente resultou na absurda alegação de Paulo VI de ser capaz de remodelar a Tradição da Igreja em nome de um “Solene Magistério Ordinário”. A grande maioria dos católicos permitiu que ele saísse com essa, e até hoje tantos e tantos deles estão a se tornar liberais dia após dia enquanto seguem os Papas conciliares, ao passo que uma pequena minoria de católicos está sendo levada a negar que aqueles responsáveis pelo absurdo conciliar possam ser, de alguma forma, Papas.

            Por fim, eu pessoalmente tenho respeito por muitos sedevacantistas, na medida em que eles creem na Igreja e estão desesperados por encontrar uma solução para um problema infinitamente sério da Igreja. Mas, em minha opinião, eles precisam procurar mais alto e mais profundamente – a infinita alteza e profundidade do próprio Deus.

Kyrie eleison


O problema do sedevacantismo é o mesmo do mundo e da Igreja moderna: atribuir muita importância ao homem e pouca importância a Deus. 

sábado, fevereiro 15, 2014

Comentários Eleison: Infalibilidade da Igreja II

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCXLIV (344) - (15 de fevereiro de 2014): 

Infalibilidade da Igreja II


Há muito que deve ser dito sobre a infalibilidade da Igreja, especialmente com o propósito de corrigir ilusões que surgem (por erro) da definição da infalibilidade papal de 1870. Hoje em dia, por exemplo, os sedevacantistas e os liberais pensam que suas posições são completamente opostas; mas será que eles já se deram conta de que pensam de modo similar? – Premissa maior: os Papas são infalíveis. Premissa menor: os Papas conciliares são liberais. Conclusão liberal: devemos nos tornar liberais. Conclusão sedevacantista: eles não podem ser Papas. O erro não está nem na lógica, nem na premissa menor. Ele só pode estar em um engano de ambas as partes relacionado à infalibilidade da premissa maior. Novamente, o homem moderno põe a autoridade acima da verdade.

Deus Eterno é a própria Verdade, absolutamente infalível. No tempo criado, por meio de Seu Filho Encarnado, Ele instituiu Sua Igreja com uma doutrina para a salvação das almas. Por vir Dele, essa doutrina só pode ser inerrante, mas para mantê-la livre dos erros dos homens da Igreja, a quem Ele deveria confiá-la, seu Filho prometeu-lhes o “espírito da verdade” para guiá-los “para sempre” (Jo 14, 16). Pois de fato, sem uma tal garantia, como poderia Deus exigir dos homens, sob a pena da danação eterna, que creiam em Seu Filho, em Sua doutrina e em sua Igreja (Mc 16, 16)?

Mesmo assim Deus não tirará o livre-arbítrio para o erro que deu aos homens da Igreja. E permitirá que essa liberdade vá tão longe quanto eles quiserem, exceto a ponto de tornar Sua Verdade inacessível aos homens. Ela vai longe, e inclui um bom número de Papas gravemente deficientes na Historia da Igreja; mas o poder de Deus vai ainda mais longe do que a maldade dos homens (Is 59, 1-2). No Vaticano II, por exemplo, o erro da Igreja chegou bem longe, sem que Deus permitisse, no entanto, que isso impedisse totalmente a apresentação dela ao homem, da Verdade inerrante oriunda de Sua própria infalibilidade. Mesmo os Papas conciliares têm dito muitas verdades católicas em meio aos seus erros conciliares.

Mas como então posso eu, uma simples alma, fazer a distinção entre suas verdades e seus erros? Em primeiro lugar, se eu estou realmente buscando Deus com um coração reto, Ele irá me guiar até Ele, como a Bíblia diz em muitos trechos. E em segundo lugar, sendo a doutrina de Deus tão imutável como Deus mesmo, deve ela ser a doutrina a qual eu encontro (quase) todos os homens da Igreja a ensinar e transmitir, por (quase) todos os lugares e por (quase) todos os tempos, o que é melhor conhecido como Tradição. Desde o princípio da Igreja que essa transmissão vem sendo a prova mais segura de que foi Nosso Senhor em pessoa que nos ensinou. Através das épocas a Tradição inerrante tem sido o trabalho de milhões de homens da Igreja. Ela tem sido aquilo para o que Deus dotou Sua Igreja como um todo – e não apenas os Papas – com a direção do infalível Espírito Santo.

Aqui está, por assim dizer, a peça central da infalibidade da Igreja sobre a qual as definições solenes do Papa são simplesmente o congelamento, precioso e necessário, do pico da infalibilidade da Igreja, mas não do corpo da montanha. Note em primeiro lugar que as Definições do Magistério Extraordinário do Papa existem não apenas desde 1870, mas desde o início da Igreja, e elas existem não para tornar a Tradição verdadeira, mas simplesmente para certificar o que pertence à Tradição e o que não pertence, cada vez que os erros do homem tragam alguma incerteza. Percebendo a verdade, Monsenhor Lefebvre corretamente preferiu a Tradição inerrante aos Papas gravemente errantes. Seus sucessores, nunca tendo compreendido o Monsenhor, como todos os liberais modernos não percebem a verdade, estão no processo de preferir os Papas errantes à Tradição inerrante. Subestimando a verdade e superestimando os Papas, os sedevacantistas repudiam totalmente os Papas errantes e podem ser tentados a abandonar completamente a Igreja. Senhor tende piedade!

Kyrie eleison

Resumo:

O magistério Ordinário é decerto infalível, mas sua infalibilidade vem de Deus, e não do Magistério Extraordinário. 

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Comentários Eleison: Infalibilidade da Igreja I

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCXLIII (343) - (08 de fevereiro de 2014): 


Infalibilidade da Igreja I



            O principal problema dos sedevacantistas é, provavelmente, a infalibilidade da Igreja (os Papas conciliares são terrivelmente falíveis – então, como eles podem ser verdadeiramente Papas?). No entanto, a infalibilidade precisa ser analisada mais do que apenas a fim de aliviar o sedevacantismo. É um grande problema moderno a preferência pela autoridade em detrimento da verdade.

            “Infalibilidade” significa inabilidade para errar, ou para cair no erro. O Concílio Vaticano I definiu em 1870 que o Papa não pode errar quando quatro condições estão presentes: ele deve (1) falar como Papa, (2) em questão de Fé ou de moral, (3) de modo definitivo e (4) com a clara intenção de obrigar toda a Igreja. Sob elas, um ensinamento pertence ao que é chamado de Magistério “Extraordinário”, pois, por um lado, o Papa raramente combina todas as quatro condições, e, por outro lado, ele ensina muitas outras verdades que não podem errar ou estar erradas porque elas têm sido sempre ensinadas pela Igreja, e assim elas pertencem ao que o Vaticano I chamou de “Magistério Ordinário Universal” da Igreja, também infalível. A questão é: como o Magistério Extraordinário do Papa se relaciona com o Magistério Ordinário da Igreja?

            A Santa Madre Igreja ensina que o Depósito da Fé, ou Revelação pública, foi completado na morte do último Apóstolo vivo, ou seja, em torno de 105 dC. Desde então nenhuma outra verdade foi acrescentada, ou poderia ter sido acrescentada, a esse Depósito, ou corpo de verdades reveladas. Portanto, nenhuma definição “extraordinária” pode acrescentar um jota de verdade a esse Depósito. Apenas se acrescenta, em benefício dos crentes, certeza a alguma verdade já pertencente ao Depósito, mas cuja pertença não estava suficientemente clara de antemão. Em uma ordem quádrupla vem em primeiro lugar uma REALIDADE objetiva, independente de qualquer mente humana, tal como o fato histórico da Mãe de Deus concebida sem o pecado original. Em segundo lugar vem a VERDADE em uma mente que se conforma à realidade. Só em terceiro lugar vem uma DEFINIÇÃO infalível, quando um Papa combina todas as quatro condições para definir essa verdade. E em quarto lugar, surge dessa definição a CERTEZA para os crentes dessa verdade. Assim, enquanto a realidade gera a verdade, uma Definição simplesmente cria certeza em relação àquela verdade.

            Mas a realidade e sua verdade já pertenciam ao Magistério Ordinário, pois não resta dúvida de que um Papa jamais definiu infalivelmente uma verdade fora do Depósito da Fé. Assim, o Magistério Ordinário é para o Magistério Extraordinário o que o cachorro é para o rabo, e não o que o rabo é para o cachorro! O problema é que a Definição de 1870 deu tal prestígio ao Magistério Extraordinário, que o Magistério Ordinário, em comparação, começou a esmorecer, a ponto de os católicos, mesmo os teólogos, se verem impelidos a fabricar para ele uma infalibilidade como aquela do Magistério Extraordinário. Mas isso é tolice. O Magistério Extraordinário pressupõe o Magistério Ordinário, e existe apenas para dar certeza (4) à uma verdade (2) já ensinada pelo Magistério Ordinário.

            O ponto pode ser ilustrado por uma montanha coberta de neve. A montanha de modo algum depende da neve, salvo para se tornar mais visível do que ela já é. Ao contrário, a neve depende completamente da montanha para estar onde ela, a neve, está. De mesmo modo, o Magistério Extraordinário faz não mais pelo Magistério Ordinário do que torná-lo mais claramente ou mais certamente visível. Quanto mais o inverno se aproxima, mais baixo é o limite da cobertura de neve. Nos tempos atuais, quanto mais a caridade esfria, mais definições do Magistério Extraordinário podem vir a ser necessárias, mas isso não faz delas a perfeição do Magistério da Igreja. Ao contrário, elas sinalizam uma fraqueza dos crentes em relação às verdades de sua Fé. Quanto mais saudável um homem é, de menos pílulas ele necessita.

Na próxima semana, a aplicação, tanto ao sedevacantismo como à presente crise da FSSPX.       

Kyrie eleison.


Resumo:

           O Magistério Ordinário infalível da Igreja é para o Magistério Extraordinário infalível do Papa o que o cachorro é para o rabo, e não o que o rabo é para o cachorro. 

sábado, fevereiro 01, 2014

Comentários Eleison: Ansiedade Sedevacantista II

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCXLII (342) - (01 de fevereiro de 2014): 

ANSIEDADE SEDEVACANTISTA II

           
            1. Ou se aceita todos os Papas Conciliares (como os liberais – Deus nos livre!), ou se recusa todos eles (como os sedevacantistas). Aceitá-los parte sim e parte não, é selecionar e escolher o que se deve ou não aceitar, como fez Lutero e como fazem todos os hereges (em grego, “escolhedores”).

Isso é certo se alguém seleciona e escolhe segundo a sua própria escolha pessoal, mas não é verdade se, como Monsenhor Lefebvre, se julga segundo a Tradição Católica, que pode ser encontrada no tesouro de 2000 anos de documentos magisteriais da Igreja. Nesse caso se está julgando com 260 Papas contra apenas seis, mas isto não prova a invalidade desses seis.

            2. Mas os Papas conciliares têm envenenado a Fé e posto em perigo a salvação eterna de milhões e milhões de católicos. Isso é contrário à indefectibilidade da Igreja.

Na crise Ariana do século IV, o Papa Libério pôs a Fé em perigo ao condenar Santo Atanásio e apoiar os bispos arianos no Oriente. Durante algum tempo, a indefectibilidade da Igreja esteve assegurada não pelo Papa, mas por seu aparente adversário. Mas isso não quer dizer que Libério não foi Papa, nem que Atanásio o foi. De modo similar, a indefectibilidade da Igreja encontra-se atualmente nos fieis seguidores da linha assumida por Monsenhor Lefebvre, mas isso não significa dizer que Paulo VI não foi Papa.

            3. O que os bispos do mundo ensinam, em união com o Papa, é o Magistério Ordinário Universal da Igreja, que é infalível. Mas nos últimos 50 anos os bispos do mundo em união com os Papas conciliares vêm ensinando os absurdos conciliares. Portanto, esses Papas não são verdadeiros Papas.

Se o Magistério Ordinário da Igreja estivesse afastado da Tradição, ele não seria mais considerado “Ordinário”, mas do tipo mais extraordinário, pois a doutrina da Igreja não admite novidades, já que o “Universal” é tanto no tempo como no espaço. Ora, a doutrina conciliar se distancia da Tradição (por exemplo: liberdade religiosa e ecumenismo). Por isso a doutrina própria do Concílio não está sob o Magistério Ordinário Universal, e não pode servir para provar que os Papas conciliares não são Papas.

       4. O Modernismo é “a síntese de todas as heresias” (São Pio X), e os Papas conciliares são todos modernistas “públicos e manifestos”, ou seja, hereges do tipo tal como os que São Roberto Belarmino declarou que não podem ser membros da Igreja, e muito menos seu chefe.

Vejam os “Comentários” da semana passada. As coisas eram muito mais claras – eram “públicas e manifestas” – na época de São Belarmino, do que elas são nos dias de hoje em meio à tamanha confusão de mentes e corações. A heresia objetiva dos Papas conciliares (ou seja, o que eles dizem) é pública e manifesta, mas não o é a sua heresia subjetiva ou formal (ou seja, sua intenção consciente e resoluta de negar o que reconhecem como dogma católico imutável). E provar sua heresia formal é algo que pode ser feito apenas por meio de uma confrontação com a autoridade doutrinal da Igreja, como, por exemplo, a Inquisição ou o Santo Ofício – chamem do que quiserem (“não importa que nome se dê a uma rosa, seu odor é sempre doce”, diz Shakespeare). Mas o Papa é a maior autoridade doutrinal, que está acima e por trás da atual Congregação para a Doutrina da Fé; como então pode ser provado que ele mesmo seja esse tipo de herege que é incapaz de ser chefe da Igreja?

            5. Mas nesse caso, a Igreja está em um beco sem saída!

Novamente, vejam os “Comentários” da semana passada. As mentes dos homens estão hoje tão universalmente confusas que de tal situação só Deus pode livrá-las. De qualquer modo, essa objeção parece estar muito mais próxima de provar que Ele deve intervir (e logo!) do que provar que os confusos Papas não são Papas. Deus está nos pondo à prova, como Ele tem todo direito de fazer.


Kyrie eleison.