sábado, julho 19, 2014

Comentários Eleison: A Prioridade da Tradição

Comentários Eleison – por Dom Williamson
CCCLXVI (366) - (19 de julho de 2014): 

A PRIORIDADE DA TRADIÇÃO


            A palavra “Magistério”, que vem do latim para “mestre” (“magister”), significa na Igreja tanto o ensinamento autorizado da Igreja como seus Mestres autorizados. Pois bem, da mesma forma que um mestre é superior ao ensinado, o Magistério é superior ao povo católico que é por ele ensinado. Mas os Mestres católicos têm livre-arbítrio, e Deus lhes dá liberdade para errar. Assim, se eles erram gravemente, pode o povo resistir e dizer, todavia respeitosamente, que estão errados? É na verdade que se encontra a resposta, e por isso a pergunta pode se tornar confusa quando a maioria das pessoas dela se distancia, tal como acontece nos dias de hoje.

            Por um lado é certo que Nosso Senhor dotou a Sua Igreja com uma autoridade de ensino, para ensinar a nós, seres humanos falíveis, que só a Verdade pode nos levar para o Céu – “Pedro, confirma teus irmãos”. Por outro lado, Pedro devia apenas confirmá-los na fé que Nosso Senhor lhe havia ensinado – “Eu roguei por ti, para que a tua fé não falte; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 32). Em outras palavras, essa fé governa Pedro, que tem como função apenas guardá-la e expô-la fielmente, tal como foi depositada nele, o Depósito da Fé, que deve ser transmitido para sempre como Tradição. A Tradição ensina a Pedro, que então ensina ao povo.

            O Vaticano I (1870) diz a mesma coisa. Os católicos devem crer em “todas as verdades contidas na palavra de Deus ou naquelas transmitidas pela Tradição”, que a Igreja propõe, por meio de seu Magistério Extraordinário ou Ordinário Universal (recorde-se que sem a Tradição em seu sentido mais amplo não haveria a “palavra de Deus”, ou seja, a Bíblia), como divinamente revelada. O Vaticano I diz ainda que seu Magistério é dotado da infalibilidade da Igreja, mas essa infalibilidade exclui o ensinamento de qualquer novidade. Então, a Tradição em seu sentido amplo governa o que o Magistério pode dizer que ela é, e enquanto o Magistério tem autoridade para ensinar dentro da Tradição, não tem autoridade para ensinar ao povo qualquer coisa fora dela.

            No entanto, as almas precisam de um Magistério vivo para ensiná-las a verdade da salvação dentro da Tradição católica. Essas verdades são imutáveis, assim como Deus ou a Sua Igreja, mas as circunstâncias do mundo onde a Igreja opera mudam constantemente, e assim, de acordo com a variedade dessas circunstâncias, a Igreja precisa de Mestres vivos a fim de variar frequentemente as apresentações e explicações das verdades invariáveis. Portanto, nenhum católico em seu juízo normal contesta a necessidade que se tem dos Mestres vivos da Igreja.

            Mas e se esses Mestres alegam que há algo dentro da Tradição que, na realidade, não está lá? Por um lado, eles são homens instruídos, autorizados pela Igreja a ensinar ao povo, e o povo é relativamente ignorante. Por outro lado, há o famoso caso do Concílio de Éfeso (428), onde o povo se insurgiu em Constantinopla para defender a Maternidade divina da Santíssima Virgem Maria contra o herético Patriarca Nestor.

            A resposta é que a verdade objetiva está igualmente acima dos Mestres e do povo, de modo que se o povo tem a verdade do seu lado, ele será superior aos seus Mestres caso estes não tenham a verdade. Por outro lado, se o povo não tem a verdade, não tem direito de se insurgir contra os Mestres. Em suma: se ele está com a verdade, ele tem o direito; se não está, não o tem. E o que diz se ele está com a verdade ou não? Nem (necessariamente) os Mestres, nem (menos necessariamente ainda) o povo, mas a realidade, mesmo que os Mestres ou o povo, ou ambos, estejam a conspirar para abafá-la.


Kyrie eleison.