Comentários Eleison - por Dom
Williamson
CDXXXIII (433) - (01 de novembro
de 2015):
NOVAMENTE, CULTURA
Agostinho disse, "toda verdade pertence a nós, cristãos".
Uma leitora dos “Comentários”
questiona novamente o valor da cultura não católica, atacando-os por causa dos
elogios a Wagner (EC9) e a T.S. Eliot (EC 406, 411). Para ela, T.S. Eliot deve
ser rejeitado como um protestante, ao passo que Wagner é um diabo jacobino
apaixonado pelo budismo, cuja música está carregada de impureza gnóstica. Veja,
ambos, Eliot e Wagner, têm suas faltas, graves faltas quando mensuradas em
relação à plenitude da verdade católica, como os “Comentários” mencionados
acima apontam. Entretanto, em nossa época doentia eles têm sua utilidade, a
qual pode ser resumida pelas palavras atribuídas a Santo Agostinho: “Toda
verdade pertence a nós, cristãos”.
Eliot e Wagner pertencem à
“cultura” de outrora. Para nossa finalidade, definiremos cultura como as
histórias, a música e as imagens que homens de todas as épocas necessitam para
nutrir suas mentes e seus corações. Assim definida, a cultura reflete e revela,
ensina e molda. Reflete porque é o produto de algum escritor, músico ou artista
que tem o talento de dar expressão ao que se passa em sua alma e na de seus
contemporâneos. Se foi popular em seu tempo, a cultura revelou parte do que
acontecia em suas almas. Se se tornou um clássico a partir daí, como Eliot e
Wagner, é porque reflete e revela parte do que acontece nas almas de homens de
todos os tempos. Assim, da extrema pobreza de sua formação unitarista, Eliot
foi capaz de desenhar seu assustador retrato do homem moderno, enquanto Wagner,
para além de qualquer budismo ou gnosticismo, à custa de um imenso talento preencheu
suas óperas com uma riqueza de verdadeira psicologia humana que milhares de
comentadores não pararam de interpretar desde então.
A cultura também molda e
ensina porque o escritor, ou o músico, ou o artista, dá expressão e forma a
movimentos até então informes, nas mentes e nos corações de seus
contemporâneos. Shelley chamou de poetas “os legisladores não reconhecidos do
mundo”. Elvis Presley e os Beatles tiveram enorme influência sobre a juventude
moderna, e sobre as gerações seguintes. Picasso quase criou a arte moderna e,
em grande parte, projetou o modo como os modernos visualizam o mundo a seu
redor. Esses exemplos modernos da grande influência da literatura, da música e
da arte sobre os seres humanos raramente podem ser apreciados porque o homem
moderno é deveras ímpio, e há nele pouco que valha a pena refletir ou
expressar. Contudo, a imensa influência não pode ser negada.
Em resumo, a cultura é baseada
e advinda das almas dos homens. E a Igreja Católica trabalha para a salvação
dessas almas. Então, como poderia negligenciar a cultura? Seus próprios
escritores direcionaram os pensamentos dos homens, e seus artistas e seus
músicos preencheram suas igrejas com beleza, a fim de elevar suas almas a Deus,
desde o início da Igreja. “É claro”, alguém poderá objetar, “que isto é verdade
em relação à cultura católica, mas nem Eliot nem Wagner foram católicos. Então,
que serventia têm para a Igreja?”
No homem, há três coisas: a
graça, o pecado e a natureza. Proveniente de Deus, nossa natureza básica somente
pode ser boa, mas, como foi maculada pelo pecado original, também é fraca e
inclinada ao mal. A natureza é como o campo de batalha da eterna guerra entre a
graça e o pecado, que lutam para possuí-la. A graça eleva e cura a natureza. O
pecado a derruba. Eis a luta sem fim. A Eliot e a Wagner pode ter faltado a
graça, mas Deus lhes permitiu serem mestres da natureza. A Igreja é a
comandante-chefe no que diz respeito à salvação das almas. Como ela poderia
falhar em estudar o campo de batalha e em extrair todos os possíveis benefícios
dos mestres da natureza, para conhecer as almas do tempo e ensiná-las?
Kyrie eleison.