Os preceitos tratam de atos de virtude, dar esmola será obrigatório na medida em que este ato for necessário para a virtude, isto é, enquanto a reta razão o exige. Ora, isso implica duas ordens de considerações, relativamente ao que dá e ao que recebe a esmola. Do lado do doador, deve-se levar em conta que as esmolas hão de ser feitas do seu supérfluo, como está no Evangelho de Lucas: “Dai esmola do que vos é supérfluo” (11, 41). Chamo supérfluo não só o que sobra das necessidades do doador, mas também das demais pessoas dele dependentes. Com efeito, cada um deverá primeiramente prover às suas necessidades próprias e às dos seus dependentes (neste caso fala-se do que é necessário à pessoa, sendo que este vocábulo implica a dignidade). Depois, com o que sobrar, as necessidades dos outros devem ser socorridas. É assim que faz a natureza: primeiro cuida, por meio da virtude nutritiva, do que é necessário para sustentar o próprio corpo; depois, pela virtude da geração, dispende o supérfluo para gerar um outro ser.
Do lado do beneficiário, requer-se que ele esteja na necessidade, sem o que a esmola não teria razão de ser. Mas como é impossível a cada um socorrer a todos os que padecem necessidade, o preceito não impõe que se faça esmola em todos os casos de necessidade, mas somente a necessidade que não pode ser socorrida de outro modo. Aplica-se aqui a palavra de Ambrósio: “Dá de comer ao que morre de fome; se não o fizeres, matá-lo-ás”.
Concluindo, eis o que é de preceito: dar esmola do supérfluo ao que passa por extrema necessidade. Fora dessas condições, dar esmola é um conselho, igual aos conselhos que se dão para buscarmos um bem melhor.
Quanto às objeções iniciais, deve-se dizer que:
1. Daniel dirigia-se a um rei que não estava sujeito à lei de Deus. Por isso, o que estava prescrito por essa lei, que ele não reconhecia, não lhe devia ser proposto senão sob forma de conselho. Ou, como se diz, trata-se de um caso em que a esmola não é de preceito.
2. Deve-se dizer que o homem tem a propriedade dos bens temporais que de Deus recebeu. Quanto ao uso, porém, eles não lhe pertencem unicamente, mas igualmente aos outros, que podem ser socorridos pelo seu supérfluo. É o que ensina Basílio: “Se confessas ter recebido de Deus estes bens (isto é, os bens temporais), deveria Deus ser acusado de injustiça por os ter repartido desigualmente? Por que tu vives na abundância, e o outro condenado a mendigar, senão para que tu ganhes os méritos de uma boa administração, e ele, a recompensa da paciência? É do faminto o pão que reténs; do nu a roupa que conservas no armário; do descalço o calçado que se estraga em teu depósito; do indigente a prata que possuis em custódia. Por isso, tuas injustiças são tão numerosas quanto os dons que poderias conceder”. O mesmo ensinou Ambrósio.
3. Se pode determinar um certo tempo dentro do qual peca mortalmente quem não praticar a esmola. Do lado do beneficiário, a esmola deve-lhe ser feita quando for de uma evidente e urgente necessidade, sem aparecer quem de pronto o socorra. Do lado do doador, quando possui um supérfluo que, segundo todas as previsões, presentemente não lhe será necessário. Não é forçoso fixar-se em considerações sobre tudo o que poderia ocorrer no futuro: seria “preocupar-se com o dia de amanhã” (Mt 6, 84), que o Senhor proíbe. Assim, o supérfluo e o necessário devem ser apreciados segundo as circunstâncias prováveis e mais comuns.
4. Todo socorro prestado ao próximo se reduz ao mandamento de honrar pai e mãe. Assim o interpreta o Apóstolo: “A piedade é proveitosa a tudo, pois contém a promessa da vida presente e futura” (I Ti 4, 8). Ele fala assim porque, ao preceito de honrar pai e mãe, acrescenta-se esta promessa: “para teres uma longa vida sobre a terra”. Ora, na piedade estão incluídas todas as espécies de esmolas.
Suma Teológica II-II, q.32, a.5