domingo, janeiro 22, 2017

Comentários Eleison: Cor, Poesia

Comentários Eleison - por Dom Williamson
CDXCVII (497) - (21 de janeiro de 2017): 

COR, POESIA...


  
Os subúrbios fluem dos centros e os sustentam, e assim é,
Com a cultura em relação à verdadeira Fé.

            "Não se pode viver mais de política, de balanços e de palavras cruzadas. Não se pode viver mais sem poesia, cor, amor" – palavras de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), aristocrata francês, aviador e escritor, não católico, mas brigando em sua alma contra o materialismo do século XX. Ele disse de si mesmo: "Eu sou um homem varrendo as cinzas, um homem lutando para encontrar as brasas da vida no fundo de uma lareira". E descrevendo em sua memória filosófica Terra dos Homens (1939) uma cena de trabalhadores e suas famílias amontoados em um trem noturno de Paris para Varsóvia, ele escreveu que estava atormentado não por sua condição desolada, mas por "ver um pouco, em cada um desses homens, Mozart assassinado".

            Estas citações vieram à mente depois de uma visita no ano passado à Bertramka, uma vila situada perto do centro de Praga, na República Checa, e que se tornou conhecida no final do século XVIII por receber visitas do famoso compositor Wolfgang Amadeus Mozart. Naquela época, chegava-se à cidade por uma caminhada de meia hora ao longo de estradas rurais, e por um caminho forrado com castanhas-da-índia que dava para o portão diante do pátio da frente, que se abria para um jardim inclinado com canteiros de flores e árvores frutíferas. Hoje, a estrada sombreada deu lugar a um enorme centro comercial e de negócios ao longo de uma rua da cidade com tráfego pesado, que atende apenas aos semáforos. O portão ainda está lá, mas o jardim inclinado tornou-se selvagem, com uma estátua solitária do grande músico e com a mesa de pedra onde se supõe que ele tenha terminado de compor sua ópera mundialmente famosa Don Giovanni. Logo depois ele realizou sua primeira performance no salão de ópera da cidade, ainda em uso. Quanto aos dois quartos ocupados em Bertramka por Mozart, foram preservados fielmente, mais em outubro já não estava ali uma outrora bela coleção de peças de Mozart. Bertramka ainda tem atmosfera, mas muito lá apenas sussurra: "Mozart assassinado".

            Entretanto, a Praga do século XVIII foi muito amável com ele. Em 1786, ao contrário de Viena, deu uma recepção arrebatadora à igualmente popular e famosa ópera As Bodas de Fígaro, como o fez no ano seguinte com Don Giovanni. Quando Mozart morreu em 1791, sua cidade natal, Viena, lhe deu apenas um túmulo de homem pobre, enquanto Praga lhe homenageou com uma Missa de Requiem sumptuosa assistida por milhares de pessoas e interpretada por uma centena de músicos que recusaram qualquer pagamento. Foram os imperadores e nobres católicos que, para restaurar a Boêmia católica após a devastadora guerra religiosa de 30 anos (1618-1648), estabeleceram uma educação musical generalizada para que os jovens boêmios pudessem tocar música nas cerimônias da Igreja. E foi esta educação católica que gerou em Praga um público imediatamente capaz de amar Mozart e sua música.

            Pode-se dizer o mesmo dos católicos de hoje, ou somos também "assassinos de Mozart"? Para Saint-Exupéry, Mozart era de algum modo o oposto do materialismo. Mas quantos tradicionalistas hoje ficam entediados com uma Missa cantada e não podem esperar para voltar aos seus balanços e palavras cruzadas? Infelizmente, muitos dos nossos meninos não se sentem envergonhados de saber cantar? E quanto às nossas meninas… Nossa! Não prefere a maioria delas ser astronautas ou estrelas de voleibol em vez de saber tocar um instrumento musical que possa ajudá-las a civilizar seus maridos, humanizar seus filhos e colocar seu lar em harmonia? Um provérbio alemão diz que os homens fazem a cultura, mas as mulheres transmitem-na. Não é algo suicida para uma sociedade não promover em suas filhas a verdadeira "cultura, poesia e amor" que penetrará profundamente em suas futuras famílias, e, através de suas famílias, na sociedade?

            Quanto a Mozart, ele certamente não é o auge da espiritualidade na música ocidental, e mais tarde em sua vida ele se uniu à Maçonaria, então na moda em Viena. Mas ele é muito mais espiritual do que o mundo dos centros comerciais e semáforos, como Saint-Exupéry bem observou, e certamente não foram os maçons, mas seus pais profundamente católicos que formaram na criança e no jovem o coração católico de onde surgiu toda a espiritualidade da música do adulto. Certamente, a peça mais frequentemente executada de toda a música de Mozart, composta pouco antes de morrer, é seu Ave Verum Corpus, por ser frequentemente interpretada em Missas. E quanto a seu Requiem profundamente católico, ele ainda o estava compondo em seu leito de morte. Que sua alma descanse em paz.

            Kyrie eleison.