Comentários Eleison – por Dom Williamson
Número DCLIV (654) - (25 de janeiro de 2020)
“... EM TENTAÇÃO ...”?
Deus, testai-me,
castigai-me ou humilhai-me,
Mas que cair em
pecado não seja meu destino.
Um leitor fez
uma pergunta clássica sobre o Pai Nosso, onde diz: "E não nos deixes cair
em tentação", que em latim é “Et ne nos inducas in tentationem”. A
tentação frequentemente leva ao pecado, que é certamente um mal. Como pode o Deus
infinitamente bom induzir-nos a um mal? No entanto, se rezamos para Ele pedindo
para que não nos induza ao mal, é lógico que Ele pode fazê-lo. Mas como é
possível? Pois “E não nos induzas à tentação” é a tradução literal do texto em
latim e do texto original em grego – “μη εισενεγκης ημ ας εις πειρασμον” –, e a
Igreja ensina que o texto original em grego foi inspirado pelo próprio Deus.
Como o próprio Deus pode declarar que pode induzir-nos à tentação? É necessário,
assim, que se estabeleçam quatro verdades.
1 Em primeiro lugar, Deus pode querer um
mal físico, como, por exemplo, uma doença, para castigar os seres
humanos moralmente maus, mas é absolutamente impossível que Deus queira um
mal moral, porque isso é pecado, e não é possível que Deus peque, porque
Ele é a própria Bondade, porque Ele é o próprio Ser. Pois, se algo existe,
então tem de existir uma Primeira Causa, e essa Primeira Causa não pode ter
limites finitos estabelecidos para o seu Ser por nenhuma causa anterior ao Seu
Primeiro Ser, sendo, portanto, um Ser Infinito. Ora, onde há ser, há bondade, e
vice-versa; de fato, os dois são intercambiáveis – o mal é sempre a falta, em
um ser, de algo devido a ele; por exemplo, a cegueira não é um mal em uma
pedra, mas é um mal em um animal que normalmente tem visão. Portanto, o Ser
Infinito é infinitamente bom, ou a Bondade Infinita, incapaz de querer ou de causar
diretamente o mal moral. Poucas coisas são mais absolutamente certas do que
isso.
2 No entanto, Deus pode permitir o mal moral, porque Ele pode tirar, e
sempre tira, dele um bem maior. Nós, seres humanos, não podemos de forma
nenhuma ver sempre em que consiste esse bem maior, mas no Juízo Geral, no mais
tardar, todos nós veremos claramente a Sabedoria suprema de cada mal moral que
Ele permitiu. Eis uma comparação útil: na parte de baixo de um tapete tecido, eu
posso apenas adivinhar a beleza do padrão na parte de cima do tapete. Mas essa
beleza existe, e sem ela eu não estaria vendo na parte de baixo, o que me
permite pelo menos adivinhar a beleza que não é visível dessa mesma parte de
baixo.
3 Objeção:
mas Deus ainda está agindo para permitir o mal moral, e. g., a tentação
de pecar. Por exemplo, em vários versículos de Êxodo VII-XIII, as Escrituras
dizem que Deus "endureceu o coração do Faraó", para que ele pecasse
contra os israelitas. Solução: não, pois sempre que Deus permite um mal moral, Ele não está cometendo nenhum ato
positivo, mas simplesmente se abstendo de conceder a graça ou ajuda com a
qual o pecador não teria pecado. Mas ao
optar por permitir que o Faraó pecasse, ele estava positivamente induzindo o Faraó
à tentação e ao pecado. Não, porque as Escrituras dizem: “Deus é fiel, o
qual não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças,
antes, fará que tireis ainda vantagens da mesma tentação, para a poderdes
suportar” (I Cor. X, 13). Portanto, os pecadores sob a tentação recebem de Deus
toda a graça de que precisam para não pecar, desde que eles mesmos queiram não
pecar. Se caem na tentação, a culpa é deles mesmos.
4 Mas
sempre que os pecadores caem na tentação, Deus previu que eles o fariam. Por
que, então, Ele os induziu a ela, permitindo-a e abstendo-se de dar a graça
necessária para que não caíssem nela? Negativamente, porque se os pecadores
caem na tentação, a culpa é somente deles mesmos. Positivamente, Santo Inácio,
em seus Exercícios Espirituais (n. 322), apresenta três razões positivas pelas
quais Deus pode permitir a desolação espiritual de uma alma, e as mesmas razões
se aplicam à tentação espiritual: Deus
pode fazer bom uso da tentação moral para castigar-nos ou para provar-nos,
ou para ensinar-nos. Ele pode castigar-nos com a tentação seguinte pelo último
pecado que cometemos. Então, ao pôr-nos à prova por uma tentação, Ele possibilita
que obtenhamos grandes méritos, desde que resistamos e não caiamos. Padre Pio
disse: “Se as almas soubessem o quanto podem merecer resistindo às tentações,
pediriam positivamente para serem tentadas”. E, finalmente, Deus pode ensinar-nos
o quão verdadeiramente dependentes somos de Sua ajuda por uma tentação que nos
mostra quão humildes e fracos somos sem a Sua ajuda.
Concluindo, há
tanto bem para nós, pecadores, que Deus pode tirar ao permitir que sejamos
tentados, que nem sequer somos obrigados a pedir para não sermos tentados, mas antes
devemos pedir pela graça de não cairmos quando estamos sendo tentados. Senhor,
que o fogo me aqueça, mas nunca me queime. Que pela tentação eu tenha méritos,
mas não caia jamais.
Kyrie eleison.
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